sexta-feira, 5 de dezembro de 2008


XXVIII

A SERPENTE QUE DANÇA


Em teu corpo, lânguida amante
Me apraz contemplar,
Como um tecido vacilante,
A pele a faiscar.

Em tua fluida cabeleira
De ácidos perfumes,
Onda olorosa e aventureira
De azulados gumes,

Como um navio que amanhece
Mal desponta o vento,
Minha alma em sonho se oferece
Rumo ao firmamento.

Teus olhos, que jamais traduzem
Rancor ou doçura,
São jóias frias onde luzem
O ouro e a gema impura.

Ao ver-te a cadência indolente,
Bela de exaustão,
Dir-se-à que dança uma serpente
No alto de um bastão.

Ébria de preguiça infinita,
A fronte de infanta
Se inclina vagarosa e imita
A de uma elefanta.

E teu corpo pende e se aguça
Como escuna esguia,
Que às praias toca e se debruça
Sobre a espuma fria.

Qual uma inflada vaga oriunda
Dos gelos Frementes,
Quando a água em tua boca inunda
A arcada dos dentes,

Bebo de um vinho que me infunde
Amargura e calma
Um líquido céu que difunde
Astros em minha alma!

(Charles Baudelaire.)


No poema o eu lírico está a observar algo que lhe dá prazer, e pelo que parece é uma mulher que dança cujo seus movimentos revelam sensualidade e podem ser comparados aos movimentos de uma serpente, vejamos o porquê. A comprovação de um ser feminino diante do eu lírico pode ser percebida por meio do deslocamento da primeira estrofe do poema. No primeiro verso (Em teu corpo, lânguida amante,), a frase se encontra na ordem indireta, ou seja, o predicado precede o sujeito separado por meio de pontuação (,). Sendo assim languida amante é o sujeito da frase, e Em teu corpo, seu predicado. Explorando ainda o primeiro verso, na estrutura do adjetivo Lânguida que caracteriza o substantivo Amante, o elemento mórfico – a, é uma desinência nominal de gênero que neste caso determina feminino. Como foi dito, o eu lírico do poema está a observar algo, é no segundo verso que pode ser percebido sua presença e a ação de observar. Me apraz contemplar,(v.s2), o pronome Me traz a presença do eu lírico no poema, que se apraz contemplar ou se agrada a observar a Lânguida amante.

Com as relações encontradas no eixo sintagmático da quinta estrofe é possível criar a condensação de que a mulher faz movimentos de serpente. Em, Ao ver-te a cadência indolente, (v.s17), o pronome te, retoma a atenção de para quem o eu lírico esta olhando, em seguida a preposição a, tem função de subordinar cadência indolente, isso significa que a cadência, ou seja os movimentos que sucedem em intervalos regulares são atribuídos a mulher que dança. Em seguida é feita a analogia da mulher com a serpente, Dir-se-à que dança uma serpente (v.s19), esta frase é tida como a consequência da ação do eu lírico observar a moça.

O nível fônico do poema, do primeiro até o vigésimo verso, os finais de cada verso apresentam de forma alternada sons vocálicos. Na primeira estrofe segue-se assim o final de cada verso: /ê/ > /a/ > /ê/ > /a/ , já na segunda, a alternância muda e se apresenta assim: /a/ > /ê/ > /a/ > /ê/. É possível relacionar essa cadência sonora com o ritmo ao qual a mulher dançava, ou mesmo mexia seus quadris em movimentos bem parecidos com os de uma serpente, mas acontece a quebra desse ritmo no poema que vai do vigésimo primeiro até o vigésimo oitavo verso. Na sexta estrofe os sons vocálicos do final de cada verso se apresentam da seguinte forma: /a/ > /a/ > /a/ > /a. A quebra da alternância de sons pode apresentar o momento em que a mulher se cansa.

Mesmo que se tenha no nível semântico a idéia de uma mulher dançando, nada comprova que essa dança esteja se efetuando, isso porque o poema tem uma lógica sintática que se relaciona de forma paratática. Alguns verbos como, por exemplo, contemplar (v.s2), que tem uma função nominal, logo apresenta a ação, mas não a situa no tempo da um efeito de algo parado. Outros verbos presentes no poema como inclina (v.s23), situam a ação no tempo mas de forma a descrever um fato do ponto de vista do eu lírico, o que é duvidoso.




0 comentários:

  ©Template Blogger Writer II by Dicas Blogger.

SUBIR